sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Traduzir-se


Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo. 

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão. 

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira. 

Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta. 

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente. 

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem. 

Traduzir uma parte
na outra parte
— que é uma questão
de vida ou morte —
será arte?


Ferreira Gullar

2 comentários:

  1. Isso me lembra o Adriano Alves, que me lembra o Flávio, que me lembra Minigrafias, que me lembra Mãos de cavalo, que me lembra Cazuza, que me lembra Renato, que me lembra Elis, e me lembro do mundo em que vivo... Enfim, chego a mim... Ai é melhor esquecer...

    Ps.: A do Pearl Jam me dá a mesma sensação... Rsrs

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  2. Bom, a mim vem tudo isso e mais o Oswaldo Montenegro, que interpreta esse poema muito bem na música.
    Ao contrário de músicas como rebolation, que me lembram do quanto a sociedade aceita qualquer coisa hoje em dia. E só.

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